Ontem, quando estava correndo, senti um vento na orelha e ouvi alguém gritando alguma coisa. Eu estava, naturalmente, ouvindo minha playlist de corrida e vi que passava por mim uma mulher de bike, irritadíssima porque eu não estava na extrema direita da pista. Ela gritava algo na linha de: “fica aí ouvindo música e não escuta a buzina! Tem que correr no canto!“
Eu estava errada, claro. Me distraí com a minha corrida, minha música e minhas endorfinas e atrapalhei a ciclista. Eu sou ciclista também e sei que atrapalha e irrita. Mas também sei o quanto tenho medo, quando estou na bike, de levar as famosas “finas educativas” de carros e ônibus que estão irritados com o ciclista seja lá por qual for o motivo. Aposto que aquela mulher de ontem também tem medo da fina educativa, mas não pensou duas vezes antes de me dar uma quando se viu na posição mais forte.
Nas ruas, assim como na vida em geral, o mais forte tem que ter cuidado com o mais fraco. O motorista tem que ter cuidado com o ciclista, e este tem que ter cuidado com o pedestre. Todo mundo usa mais de um chapéu: quem é motorista também é pedestre, às vezes também é ciclista (nem que seja só nos fins de semana), quem é pedestre também anda de carro, de ônibus, de bike. Não devia ser assim tão difícil ter um pouco de paciência e compreensão com quem está do lado.
Empatia é a nossa capacidade de perceber o estado emocional de outras pessoas ou, em outras palavras, de nos colocarmos no lugar do outro. É a minha capacidade de, quando estou de bike, olhar o corredor distraído no meio da ciclovia e pensar que ele está ouvindo música, pensando na vida, tendo o seu momento de alegria com as endorfinas, e simplesmente se esqueceu de ir pro cantinho.
Ou de entender a impaciência e irritação do motorista de carro – que está naquele trânsito louco e ainda não foi educado para conviver pacificamente com bikes nas ruas. E, nas duas situações, colocar a minha posição de uma forma mais humana, mas gentil e menos rabugenta e grosseira.
Onde tem empatia, tem educação, tem paciência e tem gentileza. E, como já dizia o profeta, “gentileza gera gentileza”.
A reação da mulher comigo ontem poderia ter sido completamente diferente, ela poderia ter uma atitude de cuidado, de me educar (talvez eu não soubesse que o corredor deve ficar à direita!), e eu teria recebido isso de outra forma, teria agradecido até.
Nunca me esqueço de, no dia seguinte ao enterro do meu pai, ser tratada com grosseria no trânsito – já nem lembro por quê – quando ia de carro buscar meu filho no berçário. Aquela bobeira me fez chorar porque eu estava fragilizada mas, acima de tudo, porque me entristeceu deveras estar num mundo em que as pessoas eram grosseiras gratuitamente, sem pensar que do outro lado podia estar alguém que acabou de enterrar seu pai.
A gente anda pelo mundo se relacionando com as pessoas sem saber muito das suas vidas, das suas histórias. Todo mundo tem uma história, tem problemas, dramas, experiências diferentes. A gente não quer saber, a gente não se pergunta, a gente não se interessa, a gente não se coloca no lugar, a gente não tem empatia.
Já foi comprovado cientificamente que até alguns animais – como os chimpanzés e orangotangos – são capazes de ter empatia. A definição é feita por meio do chamado “teste do espelho”: se o animal consegue se reconhecer no espelho (e não pensar que se trata de um outro animal), ele tem consciência de si mesmo e essa auto-consciência permite que ele infira o estado mental de outros animais.
O que será que significa, então, a gente ter tão pouca empatia?